tradução de monja Rebeca (Pereira)
A arte iconográfica na Igreja Ortodoxa do Oriente é uma arte sagrada e
litúrgica – como todas as artes sagradas eclesiásticas – com um propósito
espiritual. O objetivo dessas artes não é meramente o de decorar a igreja com
pinturas, para torná-la mais prazerosa aos fiéis ou deleitar seus ouvidos com
música: mas para elevá-los ao místico mundo da fé pela escada espiritual, os
passos e degraus, que são artes sacras: a composição de hinos, construção de
prédios de igreja, pintura religiosa bem como outras artes… Tudo isso
trabalha junto, cultivando o Paraíso místico nas almas dos fiéis. Com isso,
obras de arte na Igreja do Oriente são comentários sobre o mundo divino.
A arte iconográfica na Igreja Ortodoxa é chamada de “hagiografia” ou
“pintura sagrada”, porque retrata pessoas e assuntos sagrados. O pintor,
iconógrafo ou hagiógrafo não é simplesmente um artesão executando a
representação pintada de um assunto religioso. Ele tem um ofício espiritual que
realiza na igreja exatamente como o presbítero e o pregador. O Ícone Litúrgico
tem um significado teológico. Ele não é, como dizemos anteriormente, uma
pintura feita para o deleite dos olhos, ou para nos fazer recordar pessoas
sagradas, bem como aquelas que guardamos em casa, para nos lembrarmos dos
amados parentes e amigos; mas antes, pintado de maneira a elevar-nos acima do
mundo corruptível. Por isso, o Ícone Litúrgico não tem nada em comum com
pinturas que retratam pessoas de maneira e forma material e, incluindo Santos,
como nós vemos na arte religiosa do Ocidente. No Ícone Litúrgico, as pessoas
são retratadas em sua pureza.
Por esta razão, artes litúrgicas não mudam como os outros negócios, os
assuntos humanos, porque imutável como a Igreja de Cristo, à qual dá expressão.
A Santa Tradição é a coluna de fogo que liga a Igreja à selvageria do
mundo instável. Isto vem como uma surpresa para o século atual, que não está
preparado para mergulhar nas profundezas do oceano, espiritual, mas nadar na
superfície dos sentidos, levados pelas correntes e redemoinhos das águas.
A arte litúrgica nutre o fiel com visões e sons, filtrando o que entra
através das portas dos sentidos, deliciando sua alma com o vinho celestial e
outorgando sobre ele a paz da mente. Habilidade técnica nesta arte, não é
meramente uma questão mecânica, mas participa da espiritualidade e santidade
das coisas a serem retratadas. Por esta razão, o vocabulário da pintura
religiosa, os nomes das ferramentas e as expressões usadas por todos os
aspectos dela, têm um caráter religioso. Todos os materiais usados pelo pintor
religioso são abençoados, humildes, aromáticos e delicados Para fazer o carvão
com o qual desenhar, o artesão usa a madeira aveleira (a murta seca), para
fazer a prancha sobre a qual poderá pintar o ícone, ele usará cipreste,
nogueira, castanheiro, pinho ou outra madeira. Suas tintas são principalmente
pigmentos de terra, que exalam um aroma adocicado ao serem misturados com água,
especialmente na arte das pinturas murais; cheirando tão doce quanto as
montanhas com as primeiras chuvas do outono, ou como um novo jarro de água
fresca. As lacas do artesão são tão perfumadas como incenso, e quem quer que
beije os ícones, sente o aroma de fragrância espiritual. Os materiais usados
nos ícones juntos com os pigmentos de terra são: ovo misturado com vinagre,
cera, resina de pinho, rosalgar, mástique, mel e goma de amêndoa. Esta arte
sagrada não faz uso de material grotesco como da arte secular que usa óleo de
linhaça e pinturas espessas de odor desagradável e pincéis de pelos grotescos.
Quando falam de técnica, os iconógrafos usam freqüentemente, palavras
religiosas, como, por exemplo: “psymmithiai” branco puro, mas com um pouco de
ocre, para que assim, eles sejam “humildes e penitentes”. A beleza da pintura
litúrgica é a beleza do espírito e não da carne. A arte da abstinência é
austera, expressando riqueza através da pobreza e tal qual os Evangelhos e o
Antigo Testamento, são concisos e lacônicos; a pintura religiosa ortodoxa é
pura, sem ornamentações excessivas ou vãs exposições.
Os antigos iconógrafos jejuavam quando trabalhavam e quando começavam um
ícone, trocavam a roupa íntima, para estarem puros tanto internamente, quanto
externamente. Conforme iam trabalhando, cantavam salmos, para que seu trabalho
fosse executado num espírito de contrição e para assim evitarem o duelo da
mente com assuntos mundanos.
Por esta razão, os ícones litúrgicos mais preeminentes parecem mal
feitos para aqueles que têm o espírito do mundo, e em seus olhos, as pessoas
retratadas não têm “forma nem beleza”, pois a “mente que está concentrada na
carne, é hostil para Deus.” (Romanos l ,7.) “Porque os desejos da carne, são
contra o Espírito e os desejos do
Espírito são contra a carne”. (Gálatas 5, 17). Nos ícones sagrados, “a carne é
sacrificada juntamente com as paixões e os desejos”.
A beleza espiritual é “a fina distorção” através da qual, São Simeão, o
Novo Teólogo afirmou ver nas faces em jejum de seus filhos espirituais, durante
o jejum da Grande Quaresma. O Portão Místico, o portão do Oriente, é e deve
estar fechado a todos aqueles que se ocupam da sabedoria da carne, que “incha”
ou torna o homem orgulhoso, de acordo com São Paulo. Enquanto “os olhos do Senhor
estão nos olhos dos humildes, para neles se deliciarem”. Tal como os
iconógrafos de ícones sagrados tinham piedade, humildade e fé, assim deveríamos
ser, ao venerarmos os ícones, a fim de sermos dignos da graça mística que vem
dos ícones. Nas palavras de São Gregório, o Taumaturgo: “Este poder é
necessário tanto para quem profetiza quanto para quem ouve os Profetas; a
pessoa não deveria ouvir o profeta, sobre o qual o Espírito da profecia não
outorga julgamento no que ele diz.”
NOTAS
• Se deve talvez explicar
que o termo “hagiografia” é usado em grego para denotar a pintura, e não o
escrever sobre santos, como nas línguas do ocidente.
• Psymmithia é o nome dado
às finas linhas brancas adicionadas às diversas partes mais claras dos ícones.