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ENTREVISTA COM O SACERDOTE NEKTARIOS (BICHARA) – PARTE 3

BICHARA Nektarios, Abouna
Sacerdote ortodoxo da Catedral Ortodoxa Antioquina de São Nicolau no RJ
Padre Nektarios Bichara celebrando a Sagrada Liturgia na Catedral de São Nicolau no RJ,
acompanhado por seus fiéis acólitos
 
6) Qual a sua visão em relação ao desenvolvimento, crescimento e futuro da Igreja Ortodoxa no Brasil. O que precisa ser feito para que a missão seja ainda mais frutífera?

Eu tenho uma visão otimista, mas não utópica. Se a Igreja Ortodoxa no Brasil, não acabou, a despeito de todas as agruras vivenciadas, é porque Deus a sustentou e, por isso, tenho esperança de que Ele vá fazê-la prosperar, se nós merecermos. 

Não cogito que o Brasil um dia vá se tornar uma nação ortodoxa, nem mesmo que um dia deixaremos de ser uma minoria numericamente inexpressiva, em comparação ao quantitativo da população. Há quem pense em prosperidade da Igreja nesses termos. Não me parece que seja o caso. Mesmo em países histórica e majoritariamente ortodoxos, vivemos crises de fé. Não haveria por que imaginar que num país com uma religiosidade decrescente e superficial seria diferente. Além disso, as escrituras e os ensinamentos dos santos não nos dizem que no fim dos tempos (e muitos santos e anciãos já apontam que nos encaminhamos para lá) teremos conversões em massa à verdadeira fé. Sabemos que a Igreja triunfará, mas isso não significa que ela estará cheia de fiéis. 

O que realmente acredito é que a Igreja Ortodoxa pode se solidificar, se estabelecer firmemente e ampliar seu alcance no Brasil. Até pouco tempo atrás, quem desejasse viver a ortodoxia de modo pleno, só tinha uma opção, ir embora do Brasil. Isso que imagino não mais seja necessário. 

Atualmente, para a grande maioria das pessoas, ainda que elas tivessem a louvável decisão de sacrificar-se para estar numa Igreja Ortodoxa, isso não seria possível, considerada a distância da Igreja mais próxima de onde moram. Eu acho que isso pode mudar. Não em pouco tempo, mas pode. Para tanto, é indispensável que os convertidos à ortodoxia não vivam de ilusão e assumam responsabilidades. Falo dos convertidos porque também não tenho a utopia de achar que os descendentes dos imigrantes que para cá trouxeram a Fé Ortodoxa, depois de a terem abandonado, retornarão a ela. Poucos podem perpetuar ou retornar, mas a maioria não irá. E para estes poucos, o cenário é o mesmo que dos convertidos. 

Nesse sentido, penso que a primeira coisa é entender que pela graça de Deus eles foram chamados à Ortodoxia, mas não para serem espectadores do seu esplendor, senão construtores das suas fundações. Não adianta olhar vídeos na internet de celebrações magníficas em esplêndidas catedrais lotadas de fiéis, em países com mil ou dois mil anos de ortodoxia e procurar isso aqui. É preciso entender que eles não estão lá, mas sim num país com menos de duzentos anos de ortodoxia. É muito pouco tempo, sobretudo porque nesse período, tudo foi muito incipiente. Em verdade, não podemos sequer chamar os progressos da Igreja que aqui temos falado de uma reconstrução, mas de uma construção mesmo, porque grande parte do que se está a fazer jamais foi feito aqui, ainda quando a chama da fé estava mais acesa entre os ortodoxos recém imigrados. Então, não é o caso de frustrar-se porque a realidade desses outros locais não poderá ser reproduzida aqui, nas próximas gerações, mas de ser grato a Deus, por ter permitido que a Fé Ortodoxa aqui chegasse e que nós tivéssemos a possibilidade de não apenas vive-la, mas nos sacrificarmos por ela, para edificá-la nesta terra naturalmente rica e espiritualmente miserável.

Tendo isso em mente, penso que os fiéis não têm tempo a perder e tem de “arregaçar as mangas”. Isso não significa cada um fazer o que quer, mas sim colocar-se à disposição da Igreja para servi-la de acordo com as necessidades locais, conforme a orientação que receberem do Pai Espiritual. Portanto, não basta ser espectador, mas é crucial ser servidor. Esse serviço, contudo, não é apenas o de pequenos auxílios como os de um ajudante de ordens. É preciso um compromisso maior, de modo que cada um utilize os dons e talentos que Deus lhe deu para assumir desafios mais complexos. Alguns relativos ao canto, outros à iconografia, outros à tradução, ao estudo, à caridade etc…

Tais iniciativas, porém, também não terão maior repercussão positiva, se elas forem realizadas com um propósito individualista. É preciso trabalhar pela comunidade e é preciso, antes, estabelecê-la e fortificá-la. Vejo fiéis – bons, por sinal, piedosos – que, terminada a liturgia, imediatamente, seguem para suas casas, sem participar do ágape, nem confraternizar com seus irmãos na fé. Essa não é uma conduta que ajude a consolidar a Igreja. Se a fé de cada um servir para bastar-se a si mesmo, assim como as obras dela decorrentes, não teremos uma comunidade, mas um ajuntamento de pessoas e, em pouco tempo, ele se diluirá. Nós precisamos seguir o exemplo da comunidade apostólica, onde tudo era partilhado. E não me refiro aqui, ao compartilhamento dos bens materiais, que talvez seja difícil de reproduzir naqueles moldes, mas o compartilhamento do amor fraterno, da alegria cristã, do amparo nas dificuldades, do apoio nas provações. Quero dizer que não basta sermos pessoas individualmente comprometidas com a Igreja, mas sim membros de uma comunidade fiel a um compromisso com ela. 

Não só. É fundamental que os fiéis percebam que não há mais imperadores e nobres para financiar a Igreja. Atualmente, é praticamente impossível pensar que alguém sozinho vá construir e manter novas Igrejas, mas elas são necessárias. De modo que a comunidade deve assumir a responsabilidade de ofertar parte do fruto do seu trabalho para esse fim. É triste pensar como as pessoas, atualmente, encaram a Igreja como uma doadora e não como donatária. Por séculos os dons utilizados na liturgia eram trazidos pelos fiéis, mas, hoje, se a própria Igreja não provê pão, vinho, vela, incenso, não há nem como celebrar a liturgia.

O povo acostumou-se a esperar que tudo lhe fosse dado de fora, até o clero. Depois de cerca de um século e meio de ortodoxia aqui, que vocações o povo ofereceu à sua Igreja? Até quando os fiéis vão esperar que padres lhes sejam enviados de outros países para aprender um novo idioma e se habituar a uma nova vida para servi-los? É urgente mudar essa perspectiva.

Por fim, eu não vislumbro que a Fé Ortodoxa possa se expandir consistentemente no Brasil se não for desenvolvida uma vida monástica séria aqui que possa espelhar um modelo de espiritualidade a ser seguido e que seja um oásis para os fiéis recobrarem suas forças, exauridos na árdua missão de estarem no mundo sem serem do mundo, num lugar tão mundano. Não à toa, a Igreja Antioquina tem um projeto em curso de construir um mosteiro aqui, num terreno já existente. Evidente que, neste caso, não se espera que os fiéis possam assumir sozinhos essa responsabilidade, porque não é compatível com o estado deles. Para termos mosteiros sérios é preciso que tenhamos monges experimentados guiando os demais e/ou os noviços, razão pela qual precisaremos que essas lideranças, sejam masculinas ou femininas, venham de fora, ou seja, que para cá venham monges ou monjas que já tenham vivido por longos anos em mosteiros reconhecidos por uma vida monástica respeitável e que possam tornar-se abades ou abadessas. Contudo, é difícil imaginar que para cá possam vir diversos integrantes de comunidades monásticas. Nós teremos que formar as nossas próprias, sob a orientação destes que as liderarão. Então, precisaremos do despertar de vocações entre os nossos fiéis também para esse fim.

Reafirmo, então, que tenho esperança num futuro promissor da Ortodoxia no Brasil, mas entendo que essas são pré-condições para que ele se realize e, basicamente, podem ser resumidas na vontade e compromisso dos fiéis de terem uma Ortodoxia plena no Brasil. Se isso for nutrido nos corações dos fiéis e colocado em prática por eles, certamente, Deus se encarregará de suprir todo o resto, que, por vezes, nos parece impossível.
 

7) Ousamos pedir alguns conselhos e sugestões àqueles que estão se aproximando da Ortodoxia no Brasil.

Geralmente, aqueles que vem até nós manifestando o desejo de se aproximarem da Ortodoxia, sobretudo os jovens, chegam sedentos do conhecimento sobre a doutrina Ortodoxa, principalmente em relação aos aspectos que a contrapõe àquelas propagadas pelas dissidências da cristandade. Há um desejo, às vezes sequer percebido pelos próprios, de validarem suas escolhas sobre a fé perante os outros e, talvez, perante si próprios. O primeiro ponto que chama a atenção é justamente essa ideia de escolha. A grande maioria não percebe que a Ortodoxia não é uma opção religiosa que se faz, tanto quanto se escolhe um partido político ou um clube de futebol, dentre várias opções existentes. A adesão à ortodoxia é um compromisso com a Verdade Encarnada, o Cristo, contra as heresias. Nesse sentido, o anseio por saber o que a Ortodoxia pensa sobre os erros das denominações cristãs que se apartaram da Igreja ou como a ortodoxia responde às críticas que elas lhe dirigem, bem assim sobre os ataques que promoverem contra a Igreja Ortodoxa ao longo dos séculos, não é o que deve nortear a busca de entendimento sobre a fé daqueles que se aproximam da Ortodoxia. 

O segundo ponto é que ninguém se torna ortodoxo só porque deseja ou porque tem por opinião que essa é a fé correta. Recebo várias mensagens de pessoas de diversos lugares do país que começam o contato se apresentando como ortodoxas e quando pergunto onde foram batizadas elas dizem que nunca nem estiveram numa Igreja Ortodoxa, mas que leram algumas coisas na internet. Ser ortodoxo implica, necessariamente em fazer parte da Igreja Ortodoxa, tornar-se membro do Corpo de Cristo, e isso se faz mediante o santo batismo, para o que deve haver uma preparação adequada do catecúmeno, que engloba, mas não se limita à catequese. Por outro lado, o batismo não torna a pessoa ortodoxa pelo resto da eternidade. Ele introduz o fiel na Igreja, mas cabe a cada um manter-se nela. Nesse sentido, não é possível, após o batismo, adotar um comportamento apóstata e supor que a qualquer momento pode lançar mão da sua certidão de batismo para participar pontualmente de outros sacramentos, da forma como melhor lhe convier. 

O terceiro ponto é que para ser ortodoxo não basta simpatizar ou validar teoricamente a doutrina da fé ortodoxa, tampouco apreciar a beleza litúrgica da ortodoxia. Nem mesmo basta a disposição de participar formalmente dos Santos Mistérios. Tornar-se ortodoxa significa invariavelmente converter-se, abdicar das paixões mundanas, renunciar a si mesmo e revestir-se de Cristo. Se alguém não tem esse propósito ou tendo não se empenha em alcançá-lo, não pode pretender ser ortodoxo. É claro que não estamos esperando que santos se convertam à ortodoxia, mas sim que pecadores tenham a pretensão de ser santos e por isso se convertam. O ortodoxo é um lutador incansável. O maior ou menor sucesso que terá em suas batalhas nesse mundo, não é o mais relevante. A maior importância está na sua busca incessante pela salvação, apesar de suas fraquezas. 

O quarto ponto é a compreensão de que a salvação não pode ser alcançada por si mesmo, mas pela sinergia entre a escolha pessoal e a graça divina. Nesse sentido, cada pessoa deve se abrir ao recebimento da graça salvífica de Deus e, para tanto, precisa entender que essa abertura ocorre de modo contrário ao que o mundo prega. No mundo somos ensinados, desde criança, a nos preenchermos. Somos instigados a buscar sempre mais conhecimento, mais bens, maior desenvolvimento das nossas potencialidades. Porém, a espiritualidade Ortodoxa nos direciona a um esvaziar-se. O caminho para a aquisição da graça não é preencher-se de algo que nos leve a ela, mas o de esvaziar-se dos vícios que a impedem de adentrar em nós. Chamamos nossos santos de vasos repletos de graça, porque eles souberam esvaziar-se de si mesmos, para, como o apóstolo Paulo, não mais viverem, senão o Cristo viver neles. Por isso, é indispensável que aquele que deseja se aproximar da Ortodoxia tenha a humildade de seguir os passos que lhe serão ensinados pelo clero, pouco a pouco, a fim de adquirirem, inicialmente, uma maturidade espiritual mínima. É preciso que tenham a noção de que não lhes será possível aprender tudo de uma só vez e que nas questões que ainda não conseguem absorver ou ver sentido, devem aceitar com submissão os ensinamentos da Igreja, desconfiando da sua própria incapacidade de compreensão, pela sua fragilidade espiritual, ao invés de pôr em xeque o legado precioso que os santos nos deixaram.
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Aurora Ortodoxia

Aurora Ortodoxia é um labor online missionário de cristãos ortodoxos brasileiros de distintas jurisdições canônicas, dedicado ao aprofundamento e iluminação daqueles que se interessam em conhecer a Fé Ortodoxa por meio da experiëncia da Santa Tradição.

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