AIMILIANOS, Geronda de Simonopetra
tradução de monja Rebeca (Pereira)
Ninguém contestaria que o dia mais importante na vida de uma pessoa, após seu nascimento e batismo, é o do seu casamento. Não é surpresa, portanto, que o objetivo das convulsões mundanas e institucionais contemporâneas seja precisamente destruir o mistério mais honroso e sagrado do matrimônio. Para muitas pessoas, o casamento é uma oportunidade para prazeres e diversões. A vida, no entanto, é um assunto sério. É uma luta espiritual, uma progressão em direção a uma meta: o céu. O momento mais crucial e o meio mais importante dessa progressão é o matrimônio. Não é permitido a ninguém evitar os laços do matrimônio, quer celebre um matrimônio místico, dedicando-se a Deus, quer celebre um matrimônio sacramental com o cônjuge.
Hoje, nos concentraremos principalmente no matrimônio sacramental. Consideraremos como o matrimônio pode contribuir para a nossa vida espiritual, a fim de dar continuidade ao tema da nossa conversa anterior.[1] Sabemos que o matrimônio é uma instituição estabelecida por Deus. É “honroso” (Hb 13.4). É um “grande mistério” (Ef 5.32). Uma pessoa solteira passa pela vida e a deixa; mas uma pessoa casada vive e experimenta a vida em plenitude.
É de se perguntar o que as pessoas hoje pensam sobre a sagrada instituição do casamento, esse “grande mistério”, abençoado pela nossa Igreja. Casam-se, e é como se duas contas correntes ou dois negócios se fundissem. Duas pessoas se unem sem ideais, dois zeros, por assim dizer. Porque pessoas sem ideais, sem buscas, não passam de zeros. “Casei-me para viver a minha vida”, ouve-se dizer, “e não para ficar confinado entre quatro paredes”. “Casei-me para aproveitar a vida”, dizem, e então entregam os filhos — se os têm — a uma mulher estranha para que possam fugir para o teatro, o cinema ou para algum outro encontro mundano. E assim suas casas se transformam em hotéis para os quais retornam à noite, ou melhor, depois da meia-noite, depois de se divertirem e precisarem descansar. Essas pessoas estão vazias por dentro e, portanto, em suas casas, sentem um verdadeiro vazio. Não encontram satisfação ali e, por isso, correm e deslizam de um lado para o outro, a fim de encontrar a felicidade.
Casam-se sem conhecimento, sem senso de responsabilidade, ou simplesmente porque desejam se casar, ou porque acham que precisam para serem bons membros da sociedade. Mas qual é o resultado? Vemos isso todos os dias. Os naufrágios do casamento são familiares a todos nós. Um casamento mundano, como é entendido hoje, só pode ter uma característica: o assassinato da vida espiritual de uma pessoa. Sucesso ou fracasso, progresso ou ruína, em nossa vida espiritual, começa com o casamento. Por se tratar de um assunto tão sério, consideremos algumas das condições necessárias para um casamento feliz e verdadeiramente cristão.
Para ter um casamento bem-sucedido, é preciso ter uma educação adequada desde cedo. Assim como uma criança precisa estudar, aprender a pensar e se interessar pelos pais ou por sua saúde, também precisa estar preparada para ter um casamento bem-sucedido. Mas, na época em que vivemos, ninguém está interessado em preparar seus filhos para este grande mistério, um mistério que desempenhará o papel mais importante em suas vidas. Os pais não estão interessados, exceto no dote ou em outras questões financeiras, nas quais se interessam profundamente.
A criança, desde cedo, deve aprender a amar, a dar, a sofrer privações, a obedecer. Deve aprender a sentir que a pureza de sua alma e de seu corpo é um tesouro valioso a ser estimado como a menina dos seus olhos. O caráter da criança deve ser moldado adequadamente, para que se torne uma pessoa honesta, corajosa, decidida, sincera e alegre, e não uma criatura medíocre, autocompassiva, que lamenta constantemente seu destino, uma criatura de vontade fraca, sem qualquer poder de pensamento ou força. Desde cedo, a criança deve aprender a se interessar por um assunto ou ocupação específica, para que amanhã esteja em condições de sustentar sua família ou, no caso de uma menina, também de ajudar, se necessário. Uma mulher deve aprender a ser dona de casa, mesmo que tenha educação. Deve aprender a cozinhar, a costurar, a bordar. Mas, meu bom Pai, você pode dizer, tudo isso é autoevidente. Pergunte aos casais, no entanto, e verás quantas mulheres prestes a se casar não sabem nada sobre como administrar uma casa.
Além disso, quando atingimos certa idade, a escolha do parceiro para a vida é uma questão que não deve ser adiada. Nem se deve ter pressa, porque, como diz o ditado, “quem casa rápido, desespera rápido”. Mas não se deve adiar, pois a demora é um perigo mortal para a alma. Via de regra, o ritmo normal da vida espiritual começa com o casamento. Uma pessoa solteira é como alguém que tenta viver permanentemente num corredor: parece não saber para que servem os quartos. Os pais devem se interessar pela vida social dos filhos, mas também por sua vida de oração, para que a hora abençoada chegue como um presente enviado por Deus.
Naturalmente, ao escolher um parceiro, ele levará em conta a opinião dos pais. Quantas vezes os pais sentiram facadas no coração quando os filhos não lhes perguntaram sobre a pessoa que será sua companheira na vida? O coração de uma mãe é sensível e não suporta tal golpe. Os filhos devem discutir os assuntos com os pais, pois eles têm uma intuição especial que os capacita a estarem cientes das coisas que os preocupam. Mas isso não significa que o pai e a mãe devam pressionar os filhos. Em última análise, devem ser livres para tomar suas próprias decisões. Se pressionares teu filho a se casar, ele te considerará responsável se as coisas não correrem bem. Nada de bom vem da pressão. Antes, deves ajudá-lo, mas também deve permitir que ele escolha a pessoa que prefere ou ama — mas não alguém de quem tenha pena ou de quem sinta pena. Se teu filho, depois de conhecer alguém, lhe disser: “Sinto pena do pobre coitado, vou me casar com ele”, então sabes que está à beira de um casamento fracassado. Somente uma pessoa que ele ou ela prefira ou ame pode estar ao lado do teu filho. Tanto o homem quanto a mulher devem se sentir atraídos um pelo outro e devem realmente querer viver juntos, de forma íntima, sem pressa. Nesse caso, porém, não é possível pressionar nossos filhos. Às vezes, por amor, sentimos que eles são nossos bens, que são nossa propriedade, e que podemos fazer o que quisermos com eles. E assim nosso filho se torna uma criatura incapaz de viver a vida, seja casado ou solteiro.
É claro que o processo de conhecimento, que é uma questão tão delicada — mas à qual muitas vezes nos descuidamos — deve ocorrer antes do casamento. Nunca devemos ser complacentes em nos conhecermos, especialmente se não tivermos certeza dos nossos sentimentos. O amor não deve nos cegar. Deve abrir nossos olhos, para que vejamos a outra pessoa como ela é, com seus defeitos. “Melhor levar um sapato da sua própria casa, mesmo que seja de paralelepípedos”, diz o provérbio popular. Ou seja, é melhor levar alguém que já conheces. E o conhecimento deve sempre estar ligado ao noivado, que é uma questão igualmente difícil.
Quando sugeri a uma jovem que pensasse seriamente se deveria continuar o noivado, ela respondeu: “Se eu romper, minha mãe me mata”. Mas que tipo de noivado é esse, se não há possibilidade de rompimento? Noivar não significa necessariamente me casar. Significa que estou testando para ver se devo me casar com a pessoa com quem estou noiva. Se uma mulher não está em condições de romper o noivado, ela não deve ficar noiva, ou melhor, não deve prosseguir com o casamento. Durante o noivado, devemos ser especialmente cuidadosos. Se formos, teremos menos problemas e menos decepções após o casamento. Alguém disse certa vez que, durante o período de conhecimento mútuo, deves segurar seu coração firmemente com as duas mãos, como se fosse um animal selvagem. Sabe-se como o coração é perigoso: em vez de levá-lo ao casamento, ele pode levá-lo ao pecado. Existe a possibilidade de que a pessoa que escolheste o veja como um mero brinquedo ou uma escova de dentes a ser testada. Depois, ficarás deprimido e derramarás muitas lágrimas. Mas aí será tarde demais, pois seu anjo terá se revelado feito de barro.
Não escolha alguém que desperdiça seu tempo em boates, se divertindo e gastando dinheiro com viagens e luxos. Também não deves escolher alguém que, como descobrirá, esconde seu egocentrismo sob palavras de amor. Não escolha como esposa uma mulher que seja como pólvora, de modo que, assim que lhe disser algo, ela se incendeia. Ela não serve como esposa.
Além disso, se queres ter um casamento verdadeiramente bem-sucedido, não se aproxime daquela jovem ou daquele jovem que não consegue deixar os pais. O mandamento de Cristo é claro: o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher (Mc 10.7). Mas quando virem a outra pessoa presa à mãe ou ao pai, quando virem que ela os obedece de boca aberta e está disposta a fazer tudo o que lhe disserem, afastem-se. Ela é emocionalmente doente, psicologicamente imatura, e juntos não conseguirão formar uma família sadia. O homem que vocês farão de seu marido deve ser espirituoso. Mas como pode ser espirituoso se não percebeu, não compreendeu, não digeriu o fato de que a casa de seus pais é simplesmente um vaso de flores no qual ela foi colocada, para ser retirada mais tarde e transplantada para outro lugar?
Além disso, quando escolheres um marido, certifique-se de que ele não seja do tipo reservado — nesse caso, não terá amigos. E se hoje ele não tem amigos, amanhã terá dificuldade em tê-la como amiga e parceira. Cuidado com os resmungões, os chorões e as pessoas sombrias que são como pássaros abatidos. Cuidado com aqueles que reclamam o tempo todo: “Você não me ama, você não me entende”, e todo esse tipo de coisa. Algo nessas criaturas de Deus não está certo. Cuidado também com os fanáticos religiosos e os excessivamente piedosos. Ou seja, aqueles que se irritam com coisas triviais, que criticam tudo e são hipersensíveis. Como vais viver com uma pessoa assim? Será como sentar em espinhos. Cuidado também com aqueles que consideram o casamento algo ruim, uma forma de prisão. Aqueles que dizem: Mas eu nunca em toda a minha vida pensei em me casar.
Cuidado com certos pseudocristãos, que veem o casamento como algo sórdido, como um pecado, e que imediatamente desviam o olhar quando ouvem algo sobre ele. [2] Caso se cases com alguém assim, ele será um espinho na sua carne e um fardo para o seu mosteiro, se se tornar monge. Cuidado com aqueles que se acham perfeitos e não encontram defeito em si mesmos, enquanto constantemente encontram defeitos nos outros. Cuidado com aqueles que se acham escolhidos por Deus para corrigir todos os outros.
Há outro assunto sério ao qual também deves prestar atenção: a hereditariedade. Conheça bem o pai, a mãe, o avô, a avó, o tio. Além disso, os pré-requisitos materiais básicos devem estar presentes. Acima de tudo, preste atenção à fé da pessoa. Ela tem fé? A pessoa que estás pensando em tornar sua companheira de vida tem ideais? Se Cristo não significa nada para ela, como conseguirás entrar em seu coração? Se ela não foi capaz de valorizar Cristo, achas que ela lhe valorizará? A Sagrada Escritura diz ao marido que a esposa deve ser “do seu testamento” (Ml 2,14), isto é, da sua fé, da sua religião, para que ela possa uni-lo a Deus. Só então poderás ter, como dizem os Padres da Igreja, um casamento “com o consentimento do bispo”,[3] ou seja, com a aprovação da Igreja, e não simplesmente uma licença formal.
Converse com seu pai espiritual com antecedência. Examine cada detalhe com ele, e ele estará ao seu lado como um verdadeiro amigo, e, quando alcançares a meta desejada, seu casamento será um presente de Deus (cf. 1 Co 7.7). Deus concede o seu próprio presente a cada um de nós. Ele conduz uma pessoa ao casamento e outra à virgindade. Não que Deus faça a escolha dizendo “você vai aqui” e “você vai ali”, mas Ele nos dá a coragem de escolher o que nosso coração deseja, e a coragem e a força para realizá-lo.
Se escolheres teu cônjuge dessa maneira, agradeça a Deus. Coloque-o em contato com teu pai espiritual. Se não tiver um, vocês dois devem escolher um pai espiritual juntos, que será vosso Ancião, vosso pai, aquele que vos lembrará de Deus e O mostrará a vocês.
Terás muitas dificuldades na vida. Haverá uma tempestade de problemas. Preocupações o cercarão e manter sua vida cristã não será fácil. Mas não se preocupe. Deus o ajudará. Faça o que estiver ao seu alcance. Você consegue ler um livro espiritual por cinco minutos por dia? Então leia. Você consegue orar por cinco minutos por dia? Ore. E se não conseguir cinco minutos, ore por dois. O resto é assunto de Deus.
Quando vires dificuldades em teu casamento, quando perceberes que não está progredindo em tua vida espiritual, não se desespere. Mas também não deves se contentar com qualquer progresso que já tenha feito. Eleve teu coração a Deus. Imite aqueles que entregaram tudo a Deus e faça o que puder para ser como eles, mesmo que tudo o que possas fazer seja desejar em teu coração ser como eles. Deixe a ação para Cristo. E quando avançares dessa maneira, sentirá verdadeiramente qual é o propósito do casamento. Caso contrário, como um cego vagueia, também vaguearás na vida.
Qual é então o propósito do casamento? Vou lhe contar três de seus principais objetivos. Em primeiro lugar, o casamento é um caminho de dor. A companhia de marido e mulher é chamada de “jugo comum” (syzygia), ou seja, os dois trabalham sob um fardo compartilhado. O casamento é uma jornada juntos, uma porção compartilhada de dor e, claro, de alegria. Mas geralmente são seis acordes de nossa vida que soam uma nota triste, e apenas um que é alegre. Marido e mulher beberão do mesmo cálice de perturbação, tristeza e fracasso. Durante a cerimônia de casamento, o padre dá aos recém-casados para beber do mesmo cálice, chamado de “cálice comum”[4], porque juntos eles carregarão os fardos do casamento. O cálice também é chamado de “união”[5], porque eles estão unidos para compartilhar as alegrias e tristezas da vida.
Quando duas pessoas se casam, é como se estivessem dizendo: Juntos, seguiremos em frente, de mãos dadas, nos bons e maus momentos. Teremos horas sombrias, horas de tristeza repletas de fardos, horas monótonas. Mas, nas profundezas da noite, continuamos a acreditar no sol e na luz. Oh, meus queridos amigos, quem pode dizer que sua vida não foi marcada por momentos difíceis? Mas não é pouca coisa saber que, em seus momentos difíceis, em suas preocupações, em suas tentações, estarás segurando em suas mãos a mão de sua amada. O Novo Testamento diz que todo homem terá dor, especialmente aqueles que se casam.
“Você está livre de esposa?” — ou seja, você é solteiro? — pergunta o apóstolo Paulo. “Então, não procure uma esposa. Mas, se você se casar, não estará fazendo nada de errado, não é pecado. E se uma moça se casar, ela não peca, mas aqueles que se casarem terão dificuldades para suportar, e meu objetivo é poupá-los” (1 Co 7.27-28). Lembre-se: a partir do momento em que você se casar, ele diz, você terá muita dor, você sofrerá, e sua vida será uma cruz, mas uma cruz florida. Seu casamento terá suas alegrias, seus sorrisos e suas belezas. Mas durante os dias de sol, lembre-se de que todas as belas flores escondem uma cruz, que pode emergir em seu sol a qualquer momento.
A vida não é uma festa, como algumas pessoas pensam, e depois que se casam, caem do céu para a terra. O casamento é um vasto oceano, e não sabes para onde ele irá te levar. Pegas a pessoa que escolheu com medo e tremor, e com muito cuidado, e depois de um ano, dois anos, cinco anos, descobres que ela te enganou.
É uma adulteração do casamento pensarmos que ele é um caminho para a felicidade, como se fosse uma negação da cruz. A alegria do casamento é que marido e mulher se ponham a trabalhar e juntos sigam em frente pela estrada árdua da vida. “Você não sofreu? Então você não amou”, diz um certo poeta. Só quem sofre pode realmente amar. E é por isso que a tristeza é uma característica necessária do casamento. “O casamento”, nas palavras de um antigo filósofo, “é um mundo embelezado pela esperança e fortalecido pelo infortúnio”. Assim como o aço é moldado na fornalha, assim também uma pessoa é provada no casamento, no fogo das dificuldades. Quando observas teu casamento de longe, tudo parece maravilhoso. Mas quando se aproximas, verás quantos momentos difíceis ele tem.
Deus diz que “não é bom que o homem esteja só” (Gn 2.18), e por isso colocou uma companheira ao seu lado, alguém para ajudá-lo ao longo da vida, especialmente em suas lutas de fé, porque para manter a fé é preciso sofrer e suportar muita dor. Deus envia sua graça a todos nós. Ele a envia, no entanto, quando vê que estamos dispostos a sofrer. Algumas pessoas, assim que veem obstáculos, fogem. Esquecem-se de Deus e da Igreja. Mas a fé, Deus e a Igreja não são uma camisa que você tira assim que começa a suar.
O casamento, portanto, é uma jornada através de tristezas e alegrias. Quando as tristezas parecem avassaladoras, lembre-se de que Deus está contigo. Ele carregará a tua cruz. Foi Ele quem colocou a coroa do casamento em tua cabeça. Mas quando pedimos algo a Deus, Ele nem sempre nos dá a solução imediatamente. Ele nos conduz muito lentamente. Às vezes, Ele leva anos. Temos que experimentar a dor, caso contrário, a vida não teria sentido. Mas tenha bom ânimo, pois Cristo está sofrendo conyigo, e o Espírito Santo, “através dos seus gemidos, intercede por ti” (cf. Rm 8.26).
Em segundo lugar, o casamento é uma jornada de amor. É a criação de um novo ser humano, uma nova pessoa, pois, como diz o Evangelho, “os dois serão uma só carne” (Mt 19.5; Mc 10.7). Deus une duas pessoas e as torna uma. Dessa união de duas pessoas, que concordam em sincronizar seus passos e harmonizar as batidas de seus corações, emerge um novo ser humano. Através desse amor profundo e espontâneo, um se torna uma presença, uma realidade viva, no coração do outro. “Sou casado” significa que não posso viver um único dia, nem mesmo alguns momentos, sem a companheira da minha vida. Meu marido, minha esposa, é parte do meu ser, da minha carne, da minha alma. Ele ou ela me complementa. Ele ou ela é o pensamento da minha mente. Ele ou ela é a razão pela qual meu coração bate.
O casal troca alianças para mostrar que, mesmo com as mudanças da vida, permanecerão unidos. Cada um usa uma aliança com o nome do outro escrito, que é colocada no dedo de onde sai uma veia que vai diretamente para o coração. Ou seja, o nome do outro é escrito em seu próprio coração. Um, poderíamos dizer, dá o sangue de seu coração ao outro. Ele ou ela encerra o outro no âmago de seu ser.
“O que você faz?”, perguntaram certa vez a um romancista. Ele ficou surpreso. “O que eu faço? Que pergunta estranha! Eu amo Olga, minha esposa.” O marido vive para amar sua esposa, e a esposa vive para amar seu marido.
A coisa mais fundamental no casamento é o amor, e o amor consiste em unir dois em um. Deus abomina a separação e o divórcio. Ele quer a unidade inquebrável (cf. Mt 19.3-9; Mc 10.2-12). O padre tira os anéis do dedo esquerdo, coloca-os no direito, depois novamente no esquerdo e, por fim, os recoloca na mão direita. Ele começa e termina com a mão direita, porque é com esta mão que agimos principalmente. Isso também significa que o outro agora tem a minha mão. Não faço nada que meu cônjuge não queira. Estou ligado ao outro. Vivo para o outro e, por isso, tolero suas faltas. Uma pessoa que não consegue suportar outra não pode se casar.
O que meu parceiro deseja? O que o interessa? O que lhe dá prazer? Isso também deve me interessar e agradar. Também procuro oportunidades para lhe dar pequenos prazeres. Como agradarei meu marido hoje? Como agradarei minha esposa hoje? Esta é a pergunta que um homem casado deve se fazer todos os dias. Ela se preocupa com as preocupações dele, seus interesses, seu trabalho, seus amigos, para que possam ter tudo em comum. Ele se entrega a ela de bom grado. Porque a ama, ele vai para a cama por último e se levanta primeiro de manhã. Ele considera os pais dela como seus, os ama e lhes é dedicado, porque sabe que o casamento é difícil para os pais. Sempre os faz chorar, porque os separa do filho.
A esposa expressa amor pelo marido por meio da obediência. Ela lhe é obediente exatamente como a Igreja o é a Cristo (Ef 5.22-24). Sua felicidade é fazer a vontade do marido. Atitude, teimosia e reclamação são os machados que cortam a árvore da felicidade conjugal. A mulher é o coração. O homem é a cabeça. A mulher é o coração que ama. Nos momentos de dificuldade do marido, ela está ao seu lado, como a imperatriz Teodora esteve ao lado do imperador Justiniano. Nos momentos de alegria, ela tenta elevá-lo a patamares e ideais ainda mais elevados. Nos momentos de tristeza, ela está ao seu lado como um mundo sublime e pacífico, oferecendo-lhe tranquilidade.
O marido deve lembrar-se de que sua esposa lhe foi confiada por Deus. Sua esposa é uma alma que Deus lhe deu, e um dia ele deve retribuí-la. Ele ama sua esposa como Cristo ama a Igreja (Ef 5.25). Ele a protege, cuida dela, lhe dá segurança, especialmente quando ela está angustiada ou doente. Sabemos quão sensível a alma de uma mulher pode ser, e é por isso que o apóstolo Pedro exorta os maridos a honrarem suas esposas (cf. 1 Pe 3.7). A alma de uma mulher se fere, muitas vezes é mesquinha, mutável e pode repentinamente cair em desespero. Portanto, o marido deve ser cheio de amor e ternura, e fazer de si mesmo o seu maior tesouro. O casamento, meus caros amigos, é um pequeno barco que navega pelas ondas e entre as rochas. Se perderes a atenção, mesmo que por um momento, ele naufragará.
Como vimos, o casamento é, antes de tudo, uma jornada de dor; em segundo lugar, uma jornada de amor; e, em terceiro lugar, uma jornada para o céu, um chamado de Deus. É, como diz a Sagrada Escritura, um “grande mistério” (Ef 5,32). Frequentemente falamos de sete “mistérios”, ou sacramentos. Nesse sentido, um “mistério” é o sinal da presença mística de alguma pessoa ou evento real. Um ícone, por exemplo, é um mistério. Quando o veneramos, não estamos venerando madeira ou tinta, mas Cristo, ou a Theotokos, ou o santo que é misticamente representado. A Santa Cruz é um símbolo de Cristo, contendo Sua presença mística. O matrimônio também é um mistério, uma presença mística, não muito diferente destes. Cristo diz: “Onde estiverem dois ou três reunidos em Meu Nome, ali estou Eu no meio deles” (Mt 18,20). E sempre que duas pessoas se casam em Nome de Cristo, elas se tornam o sinal que contém e expressa o próprio Cristo. Quando vês um casal consciente disso, é como se estivesse vendo Cristo. Juntos, eles são uma teofania.
É também por isso que coroas são colocadas em suas cabeças durante a cerimônia de casamento, porque os noivos são uma imagem de Cristo e da Igreja. E não apenas isso, mas tudo no casamento é simbólico. As velas acesas simbolizam as virgens prudentes. Quando o sacerdote coloca essas velas nas mãos dos recém-casados, é como se estivesse lhes dizendo: Esperem por Cristo como as virgens prudentes (Mt 25,1-11). Ou elas simbolizam as línguas de fogo que desceram no Pentecostes e que eram, em essência, a presença do Espírito Santo (At 2,1-4). As alianças são mantidas no altar até que sejam retiradas de lá pelo sacerdote, o que demonstra que o matrimônio tem seu início em Cristo e terminará em Cristo. O sacerdote também une as mãos, para mostrar que é o próprio Cristo quem os une. É Cristo quem está no coração do mistério e no centro de suas vidas.[6]
Todos os elementos da cerimônia de casamento são sombras e símbolos que indicam a presença de Cristo. Quando estás sentado em algum lugar e, de repente, vês uma sombra, sabes que alguém está chegando. Ainda não pode vê-lo, mas sabes que ele está lá. Você se levanta cedo e vê o horizonte vermelho a leste. Sabes que, em breve, o sol nascerá. E, de fato, lá atrás da montanha, o sol começa a aparecer.
Quando vês teu casamento, teu marido, tua esposa, o corpo do teu parceiro, quando vês seus problemas, tudo em seu lar, saiba que todos são sinais da presença de Cristo. É como se estivesses ouvindo os passos de Cristo, como se Ele estivesse chegando, como se estivesses prestes a ouvir Sua voz. Todas essas coisas são as sombras de Cristo, revelando que Ele está conosco. É verdade, porém, que, por causa de nossas preocupações e inquietações, sentimos que Ele está ausente. Mas podemos vê-Lo nas sombras e temos certeza de que Ele está conosco. É por isso que não havia cerimônia de casamento separada na Igreja primitiva. O homem e a mulher simplesmente iam à igreja e recebiam a Comunhão juntos. O que isso significa? Que, doravante, a vida deles é uma só vida em Cristo.
As coroas de casamento, também são símbolos da presença de Cristo. Mais especificamente, são símbolos de martírio. Marido e mulher usam coroas para mostrar que estão prontos para se tornarem mártires por Cristo. Dizer “Sou casado” significa que vivo e morro por Cristo. “Sou casado” significa que desejo e tenho sede de Cristo. Coroas também são sinais de realeza e, portanto, marido e mulher são rei e rainha, e seu lar é um reino, um reino da Igreja, uma extensão da Igreja.
Quando o casamento teve início? Quando o homem pecou. Antes disso, não havia casamento, não no sentido atual. Foi somente após a queda, depois que Adão e Eva foram expulsos do paraíso, que Adão “conheceu” Eva (Gn 4.1) e, assim, o casamento começou. Por que então? Para que se lembrassem de sua queda e expulsão do paraíso e buscassem retornar para lá. O casamento é, portanto, um retorno ao paraíso espiritual, a Igreja de Cristo. “Sou casado” significa, então, que sou um rei, um membro verdadeiro e fiel da Igreja.
As coroas também simbolizam a vitória final que será alcançada no Reino dos Céus. Quando o sacerdote pega as coroas, ele diz a Cristo: “Leve suas coroas para o Seu reino”, leve-as para o Seu reino e guarde-as lá, até a vitória final. E assim o casamento é um caminho: começa na terra e termina no céu. É uma união, um vínculo com Cristo, que nos garante que nos levará ao céu, para estarmos com Ele para sempre. O casamento é uma ponte que nos leva da terra ao céu. É como se o sacramento dissesse: Acima e além do amor, acima e além do teu marido, da tua esposa, acima dos acontecimentos cotidianos, lembre-se de que estás destinado ao céu, que partiste em uma estrada que te levará lá sem falta. A noiva e o noivo dão as mãos um ao outro, e o sacerdote os segura e os conduz ao redor da mesa dançando e cantando. O casamento é um movimento, uma progressão, uma jornada que terminará no céu, na eternidade.
No casamento, parece que duas pessoas se unem. No entanto, não são dois, mas três. O homem se casa com a mulher, e a mulher se casa com o homem, mas os dois juntos também se casam com Cristo. Assim, três participam do mistério, e três permanecem juntos na vida.
Na dança ao redor da mesa, o casal é conduzido pelo sacerdote, que é um tipo de Cristo. Isso significa que Cristo nos capturou, nos resgatou, nos redimiu e nos tornou Seus. E este é o “grande mistério” do matrimônio (cf. Gl 3,13).
Em latim, a palavra “mistério” foi traduzida pela palavra sacramentum, que significa juramento. E o matrimônio é um juramento, um pacto, uma união, um vínculo, como já dissemos. É um vínculo permanente com Cristo.
“Sou casado”, então, significa que escravizo meu coração a Cristo. Se quiser, pode se casar. Se quiser, não se case. Mas se você se casar, este é o significado que o matrimônio tem na Igreja Ortodoxa, que o criou. “Sou casado” significa que sou escravo de Cristo.